Seu celular está te roubando

Pouco mais de um ano atrás, no auge do inverno americano e quase um ano de pandemia pra dentro, eu fiz um post lá no meu LinkedIn em que eu compartilhei minha luta por manter a criatividade afiada. Eu tinha acabado de criar uma pastinha no meu app de anotações chamada IDEIAS - assim mesmo, com todas maiúsculas. Porque ideias são grandes. O texto que segue abaixo foi a primeira coisa que adicionei nessa pasta.


Pra qualquer pai ou mãe que trabalha - remotamente ou não - dizer que passamos por tempos difíceis durante a pandemia não é um grão de areia no deserto que foi  equilibrar todas as bolas no ar. Além do isolamento e do medo de perder entes queridos, principalmete no início quando pouco se sabia sobre o vírus, a rotina de (tentar) cumprir com minhas obrigações profissionais com as crianças em casa obliterou minha habilidade de pensar criativamente. Meus pensamentos envolviam apenas tirar coisas urgentes da minha lista de to dos e, quando começava colocar a mão na massa, era constantemente interrompido por uma reunião de Zoom, por pequenos seres humanos chamando meu nome, algum afazer doméstico e, com certa frequência, tudo isso ao mesmo tempo. Tenho certeza que você também se sentiu assim, mas era como se eu estivesse em piloto-automático. E nas raras oportunidades que eu tinha um tempo pra mim, normalmente depois de colocar as crianças na cama, eu não desgrudava do celular, simplesmente deslizando o dedo na tela e vendo as ideias das outras pessoas.

Se você me segue lá no Insta, já me ouviu falar sobre isso. Desde a morte trágica e prematura do Kobe Bryant -- e inspirado pelo seu legado e sua maneira de encarar  a preparação dentro e fora da quadra -- eu tenho vivido uma jornada para me tornar melhor em todos os papeis que desempenho. Mas a real é que tragédias como essa nos fazem perceber que o bem mais precioso que existe é o tempo. O dia tem 24h para todos e cada um escolhe como gasta as suas, mas eu percebi que conseguiria ter fácil 1 hora ou mais de volta se cortasse hábitos que não estavam alinhados com a pessoa que eu queria ser. A primeira coisa que fiz foi sair de grupos de WhatsApp e logo de cara eu já comecei a ver um certo progresso, mas as horas no celular não diminuiram tanto assim e eu senti que precisava fazer mais.

Se você ainda não assistiu ao documentário The Social Dilemma na Netflix, faça um favor a si mesmo e vai lá ver. Ele explica direitinho os artifícios que as empresas de tecnologia usam para estender ao máximo o tempo que passamos em suas plataformas, porque é assim que elas fazem bilhões de dólares em receita vendendo os anúncios que serão entregues para nós. E foi aí que o livro Digital Minimalism, do autor Cal Newport, entrou na jogada (também tem em português).

Através de uma série de exemplos, ele conta como o processo evolutivo do Homo Sapiens levou nosso cérebro a buscar interação – interação de verdade – com outras pessoas e mostra que não estamos neurologicamente preparados para lidar com esses mecanismos que nos mantêm grudados aos nossos smartphones. E por causa dos efeitos psicológicos negativos em nossas vidas e em nossos relacionamentos, o livro urge que façamos um melhor uso da tecnologia. Como profissional de marketing digital, tento sempre fazer com que as iniciativas das marcas que eu trabalho tragam ao usuário algo interessante, fazendo cada interação ser o mais relevante possível. Penso que isso é possível oferecendo conteúdo útil, que entretenha ou que inspire, mas isso é assunto pra outra hora.

Uma coisa que me chamou bastante atenção é a linha tênue que o autor desenha entre conexão e conversa. Quando a gente troca mensagens pelo celular ou pelo computador, ainda que seja através de voz (e eu assumo que sou a pessoa que manda áudio no Zap), podemos até dizer que estamos conversando. Só que, na maioria das vezes, essas "conversas" não carregam aspectos como tom de voz, expressão facial ou uma mudança instantânea no semblante, por exemplo. E nosso cérebro só assimila aquilo como interação humana quando consegue identificar essas pequenas expressões não-verbais.

Em outras palavras, interação online não supre a necessidade de conexão. Num mundo em situação de pandemia, onde todos ficamos em casa 24 horas por dia, 7 dias por semana e longe fisicamente de amigos e família por um ano inteiro, as mídias sociais (e nossos celulares) paradoxalmente nos fizeram sentir conexão e solidão, alegria e tristeza.

Apesar de não ter seguido a sugestão do autor com o que ele chama de "thirty-day digital declutter", ou o famigerado ~detox digital~, após ler o livro eu estabeleci algumas regras específicas para quando e onde eu poderia acessar certas tecnologias:

  • Notificações: para minimizar distrações e evitar a tentação de desbloquear a tela do celular, silenciei todas as notificações com exceção de ligações e SMS.
  • Apps: deletei do meu celular Facebook, Twitter, Robinhood (por onde invisto no mercado de ações aqui nos EUA) e os poucos jogos que eu tinha instalados. Depois, configurei o limite de 1 hora por dia para Instagram e TikTok somados. Atualmente, meu tempo total no celular não passa de 3 horas diárias (antes variava entre 5 e 6 horas).
  • Home Screen: me livrei das pastinhas com inúmeros apps e hoje tenho só uma "tela" com os mais úteis. Também movi todos os apps que me distraiam muito para a app library no iPhone. Se eu quero abrir algum deles, preciso procurar pelo nome e, normalmente, isso já é suficiente pra eu perceber o que estou fazendo e cair em mim.
como ficou minha home screen do celular
  • Horário Comercial: instalei no meu computador um app chamado Freedom, que impede que eu acesse os sites que eu escolher durante intervalos pré-definidos – eu escolhi das 9 da manhã às 5 da tarde, de segunda a sexta.

Não me leve a mal, eu AMO tecnologia e todas as coisas maravilhosas que ela permite. Mas eu percebi que, para ser melhor, eu precisaria focar nas coisas que importam mais e tudo isso que eu citei acima estava no meu caminho. Sem notificações pra me distrair, sem apps a um desbloqueio de tela pra me roubar muitos minutos e impedido de acessar certos sites em horário comercial, minha produtividade subiu bastante em poucas semanas. Meu sono melhorou, meu humor melhor e eu também comecei a me sentir melhor. Bem melhor, aliás.

Agora eu uso as redes sociais majoritariamente para trabalhar, compartilhar um pouco da minha vida na gringa como pai de quase 4 ou para aprender algo novo. E o lance de voltar a pensar criativamente, que eu mencionei lá no começo, aconteceu quase que naturalmente depois que eu devolvi 3 horas pros meus dias, principalmente quando consigo manter uma rotina de exercícios ao ar livre.

Fica aqui a minha provocação então: por que você não faz um inventário dessas horas olhando pro celular e pensa em todas as coisas que você gostaria de fazer, mas que não faz porque "não tem tempo"? Você vai ser que tem sim, e eu te convido a usá-lo com propósito. Até porque, cedo ou tarde, todos sentaremos à mesa para um banquete de consequências das nossas escolhas, não é mesmo?