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☯️ MDV #30 - Ser adulto é uma arte

Dentro de nós há uma criança mimada. Só que o mundo come criança mimada com farofa. Ensiná-la pelo exemplo é o que precisamos fazer como adultos. Mas isso requer prática constante e diária.
☯️ MDV #30 - Ser adulto é uma arte

(tempo de leitura aprox. 4 min)

A Anna, minha mulher, tem uma frase que eu gosto muito.

"Quem faz o que quer é criança. Adulto faz o que precisa ser feito."

Digo isso porque finalmente resolvi encarar P.

Antes que pense besteira, sugiro que leia essa edição.

Como já contei outras vezes, em janeiro de 2020, decidi mudar.

Chame de crise de meia-idade antecipada, se quiser. Tinha 35, quase 36.

E pra evitar os vieses que me trouxeram até ali, optei por outro caminho:

Estudar o cérebro humano, entender como ele funciona e traçar uma estratégia efetiva que pudesse ser replicada.


Cérebro trino

Comecei uma análise detalhada de tudo que estava errado.

Baixei a guarda e tive aquela conversa franca comigo mesmo.

Daquelas que você reconhece os erros sem medo do julgamento, sabe?

Porque eu queria ser melhor. De verdade.

Por meses, listei, estudei, fiz um plano e comecei a agir.

O hábitos ruins foram sendo deixados para trás.

E outros, bons, foram sendo inseridos.

-- se você chegou há pouco tempo, contei isso em mais detalhes aqui --

No meio de livros, filmes, documentários, conversas com amigos e muitas filosofadas, conheci o trabalho do neurocientista Paul MacLean.

Em 1970, ele teorizou que o cérebro dos vertebrados evoluiu em três partes:

🐊 começando no centro, temos o cérebro reptiliano. É a menor, mais simples e mais primitiva parte do órgão, responsável pelos reflexos que garantem a sobrevivência, assim como os instintos mais básicos como fome e sede. Na hora do aperto, é ele que toma conta.

🐈 na sequência, vem o cérebro mamífero. Ele é responsável por funções bem mais complexas como gerenciar um sistema motor básico e regular as emoções. Também controla a afeição, armazena memórias e forma nossos hábitos. Pensa num gato preguiçoso que só quer viver sua vida e não faz muita questão de agradar ninguém. Ou numa criança de dois ou três anos, dá no mesmo.

🧠 finalmente, temos o cérebro humano. Graças a ele conseguimos falar, pensar, imaginar, planejar, racionalizar e exercer a capacidade mais fascinante de todas, a ter consciência da nossa existência e de tudo à nossa volta. Só que por ser muito mais complexa, é a última parte do cérebro a se desenvolver.

Muitos ajustes e três anos e meio depois, eu não vou mentir: me sinto VOANDO.

Meu casamento está mais forte.

Sou um pai mais presente.

Meu corpo tem mais energia.

Minha cabeça tem mais ideias.

São tantas, inclusive, que já fundei até uma fábrica delas.

Sem contar que minha relação com a paternidade mudou da água pro vinho.

E tudo isso me faz mais feliz do eu jamais sonhei ser.

Mas algo – que eu não sabia o que era – ainda não estava bem.


P

Todos temos uma parte que, lá no fundo, sabemos que precisamos mudar.

Na edição passada, chamei essa parte de P.

P é preguiçoso e, por isso, se contenta com pouco.

Afinal, melhor pouco do que nada.

E o que P quer?

Aproveitar o agora.

P ama uma descarguinha de dopamina.

Só que a dopamina tem um problema: ela vicia.

-- falei mais aqui sobre quando a gente deixa P tomar conta --

Como qualquer viciado, P entende os mecanismos do cérebro.

Tinge a realidade com sua cor preferida: a da estabilidade.

P faz a gente acreditar que as coisas vão ser sempre assim.

Que o futuro está longe e que a conta nunca vai chegar.

Pros outros, talvez. Mas não pra gente.

Bom de lábia, P nos convence que é assim que se vive.

Que agora não é a melhor hora pra cuidar disso.

Que eu não tenho tempo.

Que segunda eu começo.

Que a vida é corrida.

Jogando com o sistema, persuade o cérebro a achar fez uma boa escolha.

Porque boas escolhas, na natureza, são recompensadas.

Mas há dois tipos de recompensa: as imediatas e as de longo prazo.

P só quer saber da primeira.

Então, a única maneira de acalmar P é apostando no futuro.

Só que, como uma criança, P não sabe esperar e tenta de tudo.

Muda a abordagem e, se você deixar, te vence pelo cansaço.

E é por isso que eu gosto tanto dessa frase da Anna.

Quando você escuta P, não está fazendo o que deve ser feito.

Está sendo criança.

E toda criança precisa de um adulto responsável pra prepará-la pro mundo.

Porque o mundo come criança mimada com farofa.

Eliminar P é impossível, já que ele é parte de nós.

Mas, pra ser melhor de verdade, é possível ensiná-lo.

Com exemplos, não com palavras.

Com ações, não com promessas.

Porque deixar P decidir nos impede de crescer.

Separa quem somos de quem podemos ser.

Ensinar P é uma arte.

E arte se pratica.

Todos os dias.

Agora.


💡 Pergunta: "Quantas desculpas diferentes você consegue dar pra não encarar aquilo que você sabe que precisa resolver?"

Frase da semana

💬
"O propósito da arte não é a breve liberação de adrenalina. Ao contrário, é a construção gradual e perene de um estado de admiração e serenidade ." - Glenn Gould

Fique bem!

Daniel