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☯️ MDV #5 - Dias de glória, dias de luta

☯️ MDV #5 - Dias de glória, dias de luta

Na última edição, contei como uma demissão inesperada virou minha vida de cabeça pra baixo - e como focar no que estava ao meu alcance me ajudou a recuperar o controle do que realmente importava.

Hoje vou dar um pouco mais de cor, contando como foram aqueles primeiros dias após o baque - e como uma epifania me salvou do vitimismo.

Contexto

Para todos os efeitos, minha cadeira deixou de existir numa reorganização da companhia. Mas de bobo eu só tenho a cara e o jeitinho de andar.

No comecinho daquele ano, minha chefe havia me encaminhado um email lá de cima com meu nome e um projeto bem legal que eu estava tocando no título.

O objetivo aparentemente era saber o status, mas ali eu já saquei.

O projeto estava atrasado e havia me faltado pulso para lidar com as justificativas do fornecedor. Eu devia ter escalado, metido aquele "truco, ladrão" e sabia disso, mas até aquele momento eu havia prezado pelo relacionamento de longa data que tinha com eles e confiei nas explicações.

Primeiro que o escopo era bem cabeludo. Era um projeto de real-time data dashboard que ia revolucionar nossa inteligência de marketing, envolvendo diversas áreas, países e fusos horários, e o time deles estava com um problema alto de turnover.

Mas a vida seguiu. Apresentei o cronograma revisado, conversei com o time de Legal para entender nossas saídas (já que o contrato não havia sido honrado), envolvi minha diretora mais diretamente, comuniquei o fornecedor, fiquei em cima e continuamos trabalhando para atinigir o objetivo.

Até que, às 3pm do dia 14 de março, eu recebi um invite de reunião para 8am do dia seguinte: team update.

E agora?

A Anna estava saindo de casa pra pegar o Antonio no ponto de ônibus e eu pedi pra ela esperar. "Acho que vou ser demitido amanhã", falei.

Nós dois sabíamos que a decisão, qualquer que fosse, já estava tomada e não havia nada que podíamos fazer.

Quase não dormi aquela noite.

Se dormia, tinha pesadelos.

Só queria que a reunião chegasse logo praquela angústia acabar.

Assim que o sol nasceu, pulei da cama, tomei um banho e a Anna foi levar as crianças na escola mais cedo para que eu tivesse silêncio.

Ao voltar, ela subiu correndo pro escritório. "Fui demitido", falei.

Contei sobre o pacote e as possibilidades de transferência interna, quais seriam os próximos passos (já que eu era um expatriado) e que meu último dia seria dia 20/maio. Nos abraçamos e dissemos que daria tudo certo.

Pra ajudar, minha mãe tinha chegado há alguns dias pra visitar a gente. Como ela é uma pessoa muito preocupada, eu não queria que ela soubesse de nada enquanto eu não tivesse outra alternativa.

Como eu já estava nessa pegada de dar o meu melhor, sabia que o desespero não levaria a lugar nenhum e que quanto menos gente soubesse, melhor. Pra não dar bandeira e colocar os pensamentos em ordem, saí pra correr.

A corrida

Eu não sei se você gosta de correr. Eu gosto.

E se correr é bom, correr com raiva é muito melhor.

Eu sabia exatamente que caminho iria fazer e por quê. Lembro de cada passo. De cada pensamento. De cada arrependimento por ideias que não executei e planos que não implementei.

Eu só pensava na minha família e que não queria voltar pro Brasil. Não daquele jeito. Não com gosto do fracasso na boca. Como eu ia contar pros meus filhos?

E, lá pro quilômetro três, eu gritei. Alto. Muito alto.

Tão alto e visceral que alguém no bairro provavelmente chamou a polícia.

E algo mudou em mim depois daquele grito.

Eu percebi que eu poderia usar a raiva, a tensão e a frustração como combustível.

Eu também aceitei a minha situação e parei de me sentir especial, me fazer de vítima.

Por que eu deveria ser poupado? Só porque minha esposa estava grávida? Por que tinha filhos pequenos? Por que era imigrante? Por que tinha uma dívida financeira enorme?

Se eu caísse, eu ia cair lutando.

Estar preparado

Como falei na semana passada, eu teria 60 dias para sair dos Estados Unidos após o meu último dia, o que me levava pra 20 de julho - a Olivia estava prevista para nascer dia 13.

Os próximos dias, então, foram de muito planejamento e execução focada. Tinha muita coisa em jogo pra "esperar a poeira baixar".

Eu peguei um rolo de papel pardo gigante que tinha comprado para as crianças desenharem na época da pandemia, desenrolei em cima da ilha da cozinha, peguei uma caneta piloto e dividi em 5 partes:

  • Green Card: aguardávamos o nosso processo há mais de um ano e meio e de acordo com o site do governo, nossa resposta chegaria antes do meu último dia. Debaixo desse bloco eu anotaria todas as saídas possíveis caso demorasse mais que isso para não precisar sair do país, assim como as respectivas tarefas.
  • Outras opções de visto: o meu era vinculado à minha empresa, mas existem outras maneiras de se trabalhar legalmente nos EUA. A ideia aqui era explorar todas elas, que incluíam uma transferência interna, "migrar" para debaixo do visto da Anna como cônjuge de expatriado (ela tinha o mesmo visto que eu) e também ser patrocinado por uma outra empresa via o serviço de recolocação que eu tinha no meu pacote de desligamento.
  • Maximizar o dinheiro existente: eu iria perder meu salário em breve e nesse bloco eu explorei as ações e opções para fazer nossas entradas valerem mais - que iam desde tirar as meninas da escola particular até contratar um contador para otimizar o dinheiro que era gerado pelo trabalho que a Anna faz pelo Instagram.
  • Estar operacional: para fazer entrevistas e conseguir resolver tudo o que ainda ia ficar ainda mais complicado (tema para outro dia), eu precisava estar "positivo e operante". Eu não tinha telefone (era da empresa), nosso contrato de aluguel estava vencendo, havia muita coisa pessoal no computador da empresa, íamos mudar de endereço, e muito mais. Aqui entrou a parte burocrática, chata, mas que precisava ser feita - e agora eu tinha tempo.
  • A casa nova: a prioridade era garantir que, com um salário a menos, nosso financiamento ainda seria aprovado. Também listei todos os gastos que já estavam no radar, tentei negociar outros que eram negociáveis, travei a nossa taxa de juros, fizemos a matrícula da escola das crianças na cidade nova, entre outras coisas.

Com a mentalidade de controlar o possível quando tudo parecia fora de controle, os dias foram seguindo, as tarefas foram sendo riscadas da lista, e nós fomos tendo mais clareza sobre os próximos passos.

Dias de glória, dias de luta

Começamos a usar essa frase quando a vida parecia voltar ao normal pero no mucho após o isolamento da pandemia. Resumia bem nosso estado físico e emocional com 3 crianças, escolas num eterno abre e fecha e as reponsabilidades do trabalho.

Alguns dias tínhamos muito orgulho de como dávamos conta de todas as bolas curvas.

Outros, era porrada atrás de porrada, de tudo quanto é lado.

Na hora de dormir, no entanto, a sensação sempre foi de gratidão. De mais um dia vencido. De dever cumprido.

Saber que alguns dias serão de glória e outros de luta é essencial.

Tira a gente daquele mundinho cor de rosa onde tudo é perfeito e anda conforme nossos planos.

Nos dias de luta, você luta.

Mas a epifania que eu me referi no começo do texto é que o objetivo não está em buscar um e evitar o outro.

A graça da vida está em encontrar os momentos de glória nos dias de luta.

E eu continuo essa história nas próximas edições da #MDV.


🗣️ Minhas 3 recomendações da semana

🎥 Vídeo: o vídeo inteiro com Adam Sandler, Shia LaBeouf, Robert De Niro, Tom Hanks e Jamie Foxx tem quase uma hora (aqui a versão inteira), mas pra mim um dos momentos mais valiosos dessa mesa redonda incrível aqui é quando Tom Hanks fala que tudo passa, as coisas boas e as ruins, e que saber aproveitar cada momento mudou sua vida.

📖 Livro: Cérebro: Uma Biografia foi um dos primeiros livros que eu li quando comecei a querer entender mais sobre o funcionamento do cérebro. Minha ideia era que se eu entendesse o cérebro em geral, seria mais fácil entender o meu. No livro, o renomado neurocientista explora como o cérebro humano processa informação, forma percepções e cria as experiências que chamamos de realidade. Ele explica como o cérebro é capaz de realizar feitos incríveis, ao mesmo tempos que é limitado e cheio de falhas. Mesclando estudos científicos com histórias pessoais, o autor traz uma visão interessantíssima sobre os mistérios da nossa mente.

📸 Foto: A foto abaixo foi tirada na véspera de Natal em 1968 durante a missão espacial Apollo 8, a primeira missão tripulada a orbitar a Lua. Eu sou fascinado pelo universo e olhar para fotos como essa me ajudam a colocar os problemas em perspectiva. Olhar para a nossa insignificância me dá vontade de fazer valer a pena.

Apollo 8: Earthrise

Frase da semana

💬
"O que você faria se soubesse que iria fracassar?" - Seth Godin

‌Antes do turbilhão que vivemos no ano passado eu vivia no automático.

Trabalhava duro, como sempre, mas sem um propósito maior.

Depois da tempestade, é tentador numerar o que eu teria feito diferente.

Afinal, quem gosta de se sentir um fracassado?

Só que eu não teria aprendido nada.

Hoje vejo que só há dois tipos de fracasso - e esses, sim, devem ser evitados.

A ruína financeira e a morte. O resto não é fracasso. É aprendizado.

O que deixa a frase da semana ainda mais profunda e eu repito:

O que você faria se soubesse que iria fracassar?

Ótima semana!

Daniel


PS: se você chegou aqui agora, queria te indicar esse post e esse também. Eles resumem bem o que eu estou tentando fazer por aqui.

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